quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

CPI da Pedofilia deve terminar sem pedir indiciamentos



Relatório aponta políticos, religiosos e juízes por suposta ligação com crimes.
No Pará, há registro de crimes cometidos em todos os 143 municípios.

Iara LemosDo G1, em Brasília
O presidente da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pedofilia no Senado, Magno Malta, mostra álbuns de fotos apreendidos em diligências no AmazonasO presidente da CPI da Pedofilia, senador Magno
Malta (PR-ES), mostra álbuns de fotos apreendido
em diligências no Amazonas (Foto: José Cruz/ABr)
A CPI da Pedofilia apresenta nesta quinta-feira (16) relatório final em que deve deixar de fora pedidos de indiciamentos de pessoas investigadas por suspeita de exploração sexual contra crianças e adolescentes. A comissão investigou denúncias de crimes em noves estados por quase três anos.

O relatório final, de 1.995 páginas e ao qual oG1 teve acesso com exclusividade, relaciona casos de pedofilia e ações feitas pelas polícias em noves estados – Goiás, Roraima, Pará, São Paulo, Espírito Santo, Piauí, Amazonas, Alagoas e Bahia. Crimes praticados por meio da internet também foram alvo das investigações da comissão.

O relatório do senador Demóstenes Torres (DEM-GO) aponta políticos, religiosos e até magistrados como suspeitos pela prática dos crimes. A reportagem deixou recado no telefone do senador, mas não teve resposta até a publicação desse texto.
3.558 casos de pedofilia foram registrados no Pará entre 2004 e 2008, segundo a CPI
Segundo a assessoria do presidente da comissão, senador Magno Malta (PR-ES), o relatório da CPI não pediu indiciamentos porque os envolvidos com os supostos crimes teriam confessado ligação com os casos ao longo das investigações, o que teria resultado no indiciamento de vários suspeitos.

O relatório faz menção a vários casos investigados, como o de uma organização desbaratada em Niquelândia (GO), em 2007. Segundo a CPI, dos 24 suspeitos de ligação com crimes de pedofilia investigados na cidade, 23 acabaram denunciados pelo Ministério Público e 11 foram indiciados.
Entre os indiciados estavam dois secretários municipais, o ex-chefe de gabinete da prefeitura e um administrador regional do município. As acusações iam desde a facilitação do acesso aos menores até a ocorrência de relações sexuais com crianças e adolescentes.
Outro caso citado no relatório é o do assassinato de seis jovens de Luziânia, cidade de Goiás a cerca de 50 km de Brasília. O homem apontado pelos crimes já havia sido condenado a 14 anos de prisão por abusar de crianças. Ele estava no regime semiaberto quando cometeu os crimes e morreu na prisão após confessar ter violentado e assassinado sete jovens, um a mais do que a polícia suspeitava.

“Conclui-se, assim, que o componente sexual foi o principal motivo das ações. Isso demonstra cabalmente que a pedofilia pode produzir atentados não só à liberdade e dignidade sexual de crianças e adolescentes, como também levá-las ao extermínio físico”, diz trecho do relatório.

Pará lidera em casos
Dos nove estados em que mais casos foram analisados, o Pará recebeu destaque da CPI da Pedofilia. Segundo o relatório, há registros de crimes sexuais à crianças cometidos em todos os 143 municípios do estado.
De 2004 a 2008, foram registrados 3.558 casos de pedofilia no estado, sendo 3.057 contra meninas e 501 contra meninos. Desse total, 688 crimes aconteceram com crianças com menos de cinco anos de idade, segundo a CPI.
1.995 páginas tem o relatório final da CPI da Pedofilia, que será entregue nesta quinta
Em Belém, os casos de estupro e atentado violento ao pudor passaram de 296 em 2003 para 529 em 2008. O relatório aponta ainda uma inércia na punição dos responsáveis. Segundo a CPI, das 210 denúncias de estupro registradas na cidade em 2008, apenas 20 (9,5%) chegaram a algum tipo de procedimento judicial.

O relatório aponta entre os suspeitos pelos crimes diversas autoridades – entre elas prefeitos, deputados, conselheiros de tribunais de contas e até mesmo conselheiros tutelares.

A Ilha de Marajó é considerada pela CPI como um “caso crítico”. Lá, os crimes sexuais seriam favorecidos pelas condições de pobreza que envolvem 40% da população, aponta o relatório. Segundo a comissão, há instalada naquela região uma “rota de exploração sexual”.

Os crimes, segundo a CPI, acontecem com a “conivência dos familiares e parentes”. De acordo com o relatório, a CPI, essa seria a “única forma de garantir o acesso a bens e serviços necessários para garantir o atendimento de algumas necessidades básicas”. Parte das denúncias na região foi feita por religiosos, para os quais a CPI pediu a concessão de proteção policial.

Outros casos

No Piauí, um dos casos apresentados pelo relatório aponta o envolvimento do prefeito de uma cidade em um caso de atentado violento ao pudor contra a filha do presidente da câmara de vereadores de duas cidades.

Na cidade de Coari (AM), ao investigar fraudes em licitações e desvio de verbas públicas, as interceptações telefônicas feitas pela Polícia Federal apontaram a participação de secretários de município e assessores em crimes de pedofilia. Uma agência de modelos era usada como fachada para os crimes.

Segundo o relatório, na maioria das vezes os gastos com prostituição infantil eram pagos com recursos públicos. O Ministério Público denunciou os envolvidos no caso. No Amazonas, cidade de Tefé, a CPI apontou crimes que teriam sido cometidos por um juiz federal do Trabalho. As investigações apontaram que pelo menos nove crianças e adolescentes teriam sido vítimas de abusos.

Em Alagoas, investigações da Polícia Civil relatadas no relatório apontam religiosos como responsáveis por crimes sexuais. As denúncias teriam sido feitas por ex-coroinhas contra um monsenhor. Segundo o relatório, a polícia indiciou dois monsenhores e um padre pela prática de crimes sexuais contra crianças e adolescentes.

O relatório final da CPI pede que seja encaminhado um ofício ao Ministério Público informando os motivos pelos quais a denúncia criminal contra os suspeitos ainda não foi oferecida.

Recomendações
Além de encaminhar ofícios aos órgãos responsáveis pelas investigações pedindo prioridade nas investigações dos crimes de pedofilia, o relatório final da CPI ainda determina o encaminhamento de todo o material apurado durante a comissão para a Polícia Federal, com a recomendação de que seja dado tratamento prioritário às investigações e à punição criminal dos envolvidos.

O relatório também recomenda ao Ministério Público de São Paulo que seja feita uma “rigorosa fiscalização da conduta da companhia Google Brasil Internet Ltda”. A empresa enfrentou representações por manter perfis de usuários no Orkut usados por suspeitos de pedofilia para a troca de arquivos. Em março, a CPI pediu dados de 1.200 usuários suspeitos de pedofilia. O Google acertou então um termo de conduta com a CPI para banir os perfis de suspeitos de prática de pedofilia.

O relatório da CPI também faz recomendações ao Ministério Público, Ministério da Saúde, da Justiça e para as policias para que sejam reforçadas ações no combate a crimes sexuais cometidos contra crianças e adolescentes.

Para a Presidência da República, a comissão recomenda que seja incluído no Comitê Gestor da Internet do Brasil a participação de um integrante do Ministério da Justiça. O relatório também recomenda que seja criado, dentro da Polícia Federal, uma coordenação destinada ao combate dos crimes cibernéticos.

A CPI faz ainda recomendações para que sejam feitas fiscalizações rigorosas nas empresas dos setores de telefonia e, principalmente, de internet, para que sejam reprimidos os crimes sexuais contra crianças e adolescentes.
 

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